Olá,
Primeiramente gostaria de pedir desculpas aos meus 2d6 leitores por ter desaparecido, novamente, é que as coisas realmente apertaram neste final de semestre e acabei tendo meu tempo livre comprometido. Somente esta semana é que consegui voltar a respirar, apesar de ainda não estar sendo aquela respirada profunda e sossegada. Conforme apresentado nos dois últimos capítulos de Nowhere, eu tinha entrado no modo “Ajudante de Papai Noel”, auxiliando o jogo Tsuchi Monogatari com regras alternativas que auxiliassem na reprodução do clima e estilo de jogo heroico e ideal para a proposta do Tio.Os jogos correram super-bem e os poucos acréscimos de regras alternativas que realizei não são tão dignos de notas como os dois anteriores. Atualmente entramos num hiato que tem previsão de duração de um mês, que é o tempo que o Tio reviverá sua vida social aproveitando a companhia de sua noiva. Então, eu queria aproveitar essa deixa para falar um pouco de um dos melhores materiais de RPG que eu já tive a oportunidade de pôr os olhos – utilizar o termo “as mãos” é difícil porque esse material não tem no Brasil. Trata-se de um suplemento para o cenário de Ravenloft. O “Campaign Expansion: Masque of the Red Death” ( A Máscara da Morte Rubra ).
Bem, quem acompanha a coluna desde os primeiros posts já deve estar cansado de saber da minha relação de amor com o AD&D. Mesmo o sistema sendo uma colcha de retalhos de diferentes mecânicas, sem uma base coesa (como é o 3.X, o 4.0 e o NxT), ele é seguradamente uma das minhas edições favoritas do D&D – ele e o 4.0, cada um com sua proposta diferenciada a ponto de estarem no mesmo patamar, só que em ramos diferentes. Eu costumo revisitar o AD&D sempre que posso e quando sinto que estou perdendo a noção daquele espírito que me fez tomar paixão pelo hobby.Mas além disso, há uma segunda razão, essa bem mais racional: foi durante e para esta edição que alguns dos melhores cenários de RPG que eu conheço foram criados. Mesmo se mantendo numa temática medieval, os cenários foram tão inovadores, trouxeram tanta variedade de propostas e ideias que eles tornaram-se únicos para todos que chegaram a conhecê-los. E olha que o espírito do AD&D é o medieval mesmo, não é o medieval do 3.X e do 4.0 que tem aquele espírito heroico individualista clássico, mas o medieval coletivo, com hierarquias e sistema feudal, em que os aventureiros fazem parte e estão vinculados a esse contexto – a ponto do guerreiro em seu 9º nível ganhar um castelo e um pequeno feudo para administrar. Estes cenários foram tão bem construídos, que eles existem até hoje. Mesmo os abandonados pela editora continuam sendo trabalhados pelos fãs e olha que a WoC aqui e ali revisita um cenário desses para adaptá-lo para as novas edições. São exemplos destes cenários: Forgotten Realms, Dragonlance, Dark Sun, Planescape, Mystara, Greyhawk, Birthright e Ravenloft
Dentre eles, meu favorito é, sem nenhuma sombra de dúvidas, Ravenloft – e devo dizer que todos os citados anteriormente são fantásticos. Ravenloft é um cenário que insere elementos de horror dentro dos jogos de fantasia. Os personagens são pequenos pontos de luz e esperança em um mundo afundado nas trevas. Os Lordes Sombrios, senhores deste mundo, são seres de imenso poder que são praticamente invencíveis, sendo necessário usar muito mais do que força bruta para vencer um deles. As Brumas de Ravenloft são traiçoeiras, levando-os a pontos diferentes do mundo e a perigos inesperados. Não há deuses, apenas os Poderes Sombrios e ninguém sabe exatamente quais são as intenções desses poderes… E, por fim, há criaturas da noite por todo o mundo, pondo em risco a vida dos habitantes de Ravenloft, que já precisam vencer as adversidades impostas pela natureza do lugar. Mas, acima de todos os desafios, o maior desafio de um aventureiro em Ravenloft são as trevas em seu coração… Cada vez que um aventureiro realiza um ato maligno, cada vez que sucumbe à sombra em sua alma, ele corrompe-se mais e mais. E os poderes sombrios os recompensam por sua corrupção, até que eles se transformem aquilo que eles mais odiavam ou enfrentavam antes. Os vilões de Ravenloft são reflexos distorcidos dos heróis, são personagens que falharam onde os heróis conseguiram sua superação. Se o mestre souber conduzir bem o jogo, porá os jogadores em situações que os farão refletir sobre suas ações e seus pensamentos, de forma que possam vivenciar o horror psicológico trabalhado no cenário. Não o horror de sustos ou sanguinolência, mas o de se tornar algo que você odeia ou teme através de suas ações…
Ravenloft possui forte influência da literatura gótica e apresenta bastante referências a tais obras. O Lorde Sombrio de Baróvia, o conde Strahd Von Zarovich é um vampiro cuja história possui bastantes referências à obra de Bram Stoker, Drácula. No domínio de Lamórdia o Lorde Negro, Adão, é um golem de carne criado pelo Dr. Victor Mordenheim, que faz alusão à história de Mary Shelley sobre Frankenstein. Enquanto que em Nova Vaasa, o Lorde Sombrio é Malken, uma versão corrompida do bondoso Sir Tristen Hiregaard, com clara inspiração na obra de Robert Louis Stevenson, O Médico e o Monstro. Outros domínios possuem fantasmas, lobisomens, bruxas… Há até mesmo domínios que fazem alusão a histórias da Era Vitoriana, como as de Jack, o estripador, e a contos de fada, como na pequena ilha de Odiare onde uma versão corrompida do mito de Pinóquio pode ser encontrada como Lorde Sombrio. Ravenloft é um verdadeiro prato cheio para quem curte o estilo de literatura gótica e deseja jogar neste mesmo clima, vivenciando em jogo os elementos que tanto caracterizam este estilo narrativo. Só que havia um pequeno detalhe que incomodava a alguns… A grande maioria destas obras fazem referência ou alusão à Era Vitoriana.
Por ter um foco no medieval, as regras do AD&D, apesar de um ou dois parágrafos no Livro do Mestre, sempre foram voltadas para esta época. O máximo de nível cultural e tecnológico encontrado nos materiais de AD&D fazia referência à Renascença, quando o uso da pólvora ainda estava tendo início. Pois a partir dessa época, devido ao advento da pólvora, as batalhas tiveram que mudar suas táticas e as guerras adquiriram novas estratégias. Apesar de fedorenta, barulhenta e instável, as armas de fogo provaram-se ser mais poderosa que as armas brancas. Ao ponto de armaduras e escudos tornarem-se inúteis perante um revólver… Em Ravenloft mesmo, apesar de existir um domínio que procurava reproduzir a Londres Vitoriana, justamente o domínio que faz referência a Jack o estripador, sua tecnologia ainda era Renascentista. Isso resultava a criação de regras de casa ou uso de outros sistemas para procurar colocar as aventuras em uma época mais vitoriana, como era da preferência de muitos. E foi partindo dessa ideia que surgiu o suplemento que viria a ter o mesmo título do renomado livro do Edgar Alan Poe: “Masque of the Red Death”, ou “Máscara da Morte Rubra” em bom português.
O Masque of the Red Death trazia regras para jogar com personagens vitorianos, apresentando novas classes e kits referentes à época. Além disso alterava as regras do AD&D procurando reproduzir melhor a experiência de jogo similar à dos livros da literatura gótica. Muitos elementos da fantasia tradicional foram retirados, bem como algumas regras foram revisadas – este é um dos suplementos que ainda na época do AD&D transformou as habilidades ladinas em perícias (o que viria a ser adotado pelo 3.X). Além desses ajustes, foram criadas regras para o uso de armas de fogo. A preocupação com tais regras era de que ao encontrar com o sistema tradicional, medieval, houvesse conflito e você tivesse que realizar adaptações. Isso não foi em si necessário, visto que as regras das armas de fogo foram tão bem trabalhadas que elas conseguem reproduzir o efeito das armas de fogo reais contra personagens portando armaduras… E isso permitia aos fãs do cenário de avançar o nível tecnológico de alguns lugares para o que desejavam, vivenciando a experiência “vitoriana” em seu jogo de fantasia. Mas, por fim, o material apresentava também um cenário próprio: A “Gothic Earth”, que seria uma versão alternativa e gótica do mundo se os livros góticos e da Era Vitoriana tivessem sido reais. Então, na Gothic Earth você podia esbarrar com o Drácula enquanto estava no Expresso do Oriente, ou encontrar em uma expedição no Ártico o Dr. Frankenstein tentando caçar um monstro criado por ele, enquanto que lobisomens habitavam as florestas mais profundas da Alemanha e horrores ancestrais ameaçavam despertar no Egito. Um verdadeiro prato cheio para os fãs da literatura vitoriana e da literatura gótica…
Eu tive a oportunidade de utilizar o suplemento em uma campanha minha em Ravenloft e ele mostrou-se incrível, bem funcional – embora eu deva admitir que pra manter o meu estilo de mestragem eu fiz adaptações no próprio AD&D pra deixá-lo mais “pulp”. Verei a possibilidade de publicar em capítulos futuros esse material de adaptação, embora não faça uma promessa porque devido ao meu tempo mais escasso, a minha produtividade e foco estará em materiais que eu esteja trabalhando, seja pra alguma equipe de escritores de cenários do qual faço parte, como o Inominattus, seja pra poder mestrar em mesa – e há uma boa chance d’eu rever o Masque of the Red Death porque algumas ideias envolvendo a Liga Extraordinária andaram revirando-se em minha cabeça por um tempo, mas como eu tenho uma proposta engatilhada de um jogo de fantasia qual rumo será tomado dependerá de outras variáveis.
Seja como for, adianto que o suplemento é achável facilmente na net – e até encontrável à venda em alguns sites internacionais de venda. E fica como dica para quem deseja algum cenário de horror numa Era Vitoriana e que não envolve os personagens serem seres sobrenaturais. 😉
P.s.: Peço desculpas pela qualidade das imagens, é que duas delas eu tirei de uma foto da box do Masque of The Red Death pra AD&D e quem tirou a foto tremia mais que alguém com Parkinson.
Bonanças.
Atenciosamente,
Leishmaniose