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Como treinar seu dragão III – Narrativas

22 de agosto de 2013 por Leishmaniose

Olá,

E chegamos ao terceiro capítulo do arco “Como treinar seu dragão”. Como mencionado nos capítulos anteriores, não é uma adaptação do desenho ou do livro para o RPG, mas sim um trocadilho com adaptar (ou treinar) os sistemas de RPG tradicionais (o “dragão”, em homenagem ao primeiro e mais conhecido RPG do mundo, o D&D – Dungeons & Dragons) para que realizem experiências mais narrativas em seus jogos. Ou seja, o objetivo desse arco é de demonstrar adaptações mecânicas e conceituais, comuns nos RPG’s “indie”, para aplicação nos RPG’s “mainstream”. No primeiro capítulo foi abordada a mecânica dos Aspectos, que possibilita a intervenção em on-game de elementos do histórico do personagem, através da dinâmica de uso dos Pontos de Destino. No segundo capítulo foi abordada uma mecânica, com base mais conceitual, envolvendo as rolagens de dados, quando elas são necessárias e quando não são. Pelo apresentado no capítulo 2, foi visto que há formas de se substituir a rolagem de dados por mecânicas mais simples, como a de pedir um resultado, deixando a rolagem de dados apenas para momentos mais importantes em jogo, quando falhar naquela rolagem resultará em uma consequência trágica para o personagem – e não, ego ferido e frustração não é uma consequência trágica por mais que alguns jogadores insistam em agir assim. Este capítulo continua a temática da rolagem de dados, mas desta vez, envolvendo a narrativa do jogo.

Antes de prosseguir, gostaria de falar um pouco sobre uma mecânica que tem ganho muitos adeptos e que está fortemente relacionada à narrativa – caso seja adotada, permite um melhor funcionamento das mecânicas que abordarei mais abaixo. Em um RPG tradicional, independente das variáveis apresentadas por causa da mecânica da situação, uma situação de conflito desenrola-se através de jogadas de dado do jogador contra jogadas de dados do mestre. Esse tipo de situação tem três modelinhos padrões: O primeiro o mestre e o jogador rolam dados de ataque contra um valor fixo que é a defesa do alvo (o alvo do mestre é um PJ e o alvo do jogador é um NPC – sim, estou considerando situações que o NPC ataca outro NPC ajudando os PJ’s e que apenas o mestre fica rolando dados enquanto jogador assiste); o segundo o jogador e o mestre rolam dados, tanto para o ataque quanto para a defesa; o terceiro o ataque é um valor fixo e o jogador ou o mestre rola sua defesa, chamada mais comumente nesse método de resistência. Existem outros métodos, mas, no final, 95% acaba caindo como uma variação dos três acima.

Como mestre, algo que sempre me incomodou foi eu ter de rolar dados, porque eu costumo ser sortudo e isso geralmente acarreta em complicações bem mais sérias para os jogadores, pois os jogos acabam tornando-se letal demais e eu tenho que maneirar nos valores dos NPC’s oponentes para que a coisa fique mais equilibrada – ou seja, tenho que fazer um ajuste porque a mecânica em si, pura, acaba prejudicando a situação no sentido que eu dou ao RPG, que é o de contar uma história. Então, quando comecei a elaborar o DK 20, que mencionei nos capítulos anteriores, primeira medida que inseri foi que eu não rolo dado. Seja pra ataque, defesa, dano ou resistência, será o jogador que rola o dado. Se ele ataca um NPC, ele rola o dado de ataque. Se ele é atacado por um NPC, ele rola o dado de defesa. Se ele acertou, ele rola o dado de dano. Se ele foi acertado, ele rola a resistência.

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A outra razão pela qual tomei essa decisão na mecânica, é que, às vezes, quando há essa rolagem de oposição, algumas vezes, a mecânica acaba despertando um espírito de competitividade. Quem aqui presenciou o jogo nos anos 90 e acompanhava as revistas da época, sabe quantos artigos saíram falando sobre como “o mestre não é inimigo do jogador”, devido à comum postura de alguns mestres de realizarem seus jogos como jogos competitivos, em que os jogadores tinham de vencer a ele, o mestre. E alguns mestres levavam isso muito a sério – ok, culpa do D&D em seus primórdios, onde antes do espírito de interpretação, o jogo era realmente um desafio do mestre para que o jogador, utilizando o personagem como sua interface, o superasse. E essa seriedade no assunto acabava comprometendo a diversão dos jogos, geralmente com um NPC apelão que dava uma surra nos jogadores facilmente – e, às vezes, acabavam sendo salvos por outro NPC apelão, mas aliado dos personagens. Isso porque a mecânica foi construída em cima desse princípio. Ela pode ter sido amenizada com artigos, a cultura pode ter sido alterada, mas a ideia de rolagens opositoras está fortemente construída na competitividade, o desafio do mestre para os jogadores.

Mas foi quando conheci o Dungeon World, um RPG indie, que foi publicado recentemente em português pela editora Secular e cujo conteúdo já vinha sido abordado pelo meu conterrâneo Franciolli no site do Forja RPG, que eu percebi que a mecânica de rolagem de dados não somente podia ser deixada para os jogadores, como podia tomar uma forma que fugia do método tradicional de jogo. No Dungeon World, você realiza apenas um movimento por turno e para esse movimento, você rola os dados. Então, dependendo do resultado, se define as consequências dessa ação. Em uma situação de conflito: se você teve um bom sucesso, você acertou seu oponente. Se você teve um sucesso mediano, você acertou seu alvo, mas você foi acertado por ele (ou seja, uma única rolagem definiu a rolagem do jogador no ataque e a rolagem do NPC no ataque). Por fim, se você teve uma falha, você foi acertado pelo seu oponente. Simples, rápido e ainda definiu cada turno em uma única rolagem, sem precisar parar para calcular rolagens dos oponentes ou algo assim. O Dungeon World foi um jogo construído para uma narrativa de RPG de fantasia medieval em que o importante é a história que está sendo construída. Perceba como essa simples mecânica elimina o papel do mestre de ter que tentar te derrotar como o NPC faria.

Portanto, a mecânica sugerida inicialmente aqui é a de não-rolagem de dado por parte do Mestre. No caso do DK 20, se usa a boa e velha Classe de Dificuldade somada aos valores de modificadores do oponente. No caso de um D&D, o jogador rola o ataque contra a CA do NPC como faz normalmente. E quando for a vez do NPC atacar, o jogador subtrai aquele 10 natural da CA e soma os modificadores de defesa ao valor do dado. Para definir qual a CD, o mestre soma os bônus de ataque ao valor 10. Simples, prático e rápido. Não tanto quanto o Dungeon World, mas já é suficiente para um sistema mainstream. Agora, se o mestre for ousado e desejar utilizar o método do Dungeon World, eu recomendo que o valor de bom sucesso seja de “15 pra cima” no dado, o sucesso mediano de “6 a 14” e a falha seja de “5 pra baixo”.

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Com essa sugestão feita, podemos passar para o real objetivo deste capítulo: narrativa. Este método de narrativa surgiu inicialmente com os jogos do John Wick utilizando o FATE. No Houses of the Blooded, ele apresenta o esquema de aposta. Como o FATE usa um sistema de dice pool (você rola mais de um dado), o jogador poderia escolher “apostar” alguns dados. Para cada dado apostado, caso tivesse sucesso, ele poderia definir elementos da cena. Por exemplo… Meu personagem roubou um mapa de um soldado nazista que ele confrontou, com o mapa da região. Decidido, eu decido investigar um pouco mais o mapa com cuidado e realizo uma rolagem a pedido do mestre. Possuo 8 dados, aposto 4 dados, por isso só rolo 4 (8-4 = 4). Eu obtive sucesso na rolagem. Então posso definir alguns elementos da cena: com o primeiro dado, defino que o mapa tem anotações em alemão nas bordas; com o segundo dado, defino que as anotações na borda são informações da movimentação nazista; com o terceiro dado, defino que há informações invisíveis, escritas com suco de limão; com o quarto dado, defino que as informações invisíveis falam do plano dos nazistas. Tal mecânica possibilita um poder de narrativa aos jogadores, que ajudam a construir o jogo juntamente com o mestre. Nos demais jogos do John Wicks, como o Shotgun Diaries e o Aegis Project, essa mecânica é evoluída: se o jogador tiver sucesso na rolagem, ele narra a cena; se o jogador falhar, o mestre narra a cena.

E o Dungeon World utiliza-se dessa mecânica através dos movimentos. Fora de um conflito, ou até mesmo em um conflito, quando o personagem sofre uma falha ou tem um sucesso mediano, ele pode, em vez de sofrer danos, ter complicações. Como, por exemplo, enquanto está procurando fugir da prisão em que foi jogado, o personagem ao ter um sucesso mediano em tentar abrir a fechadura, acabou fazendo barulho que chamou a atenção de guardas. Durante o confronto com os guardas, ao sofrer uma falha em um ataque, ele em vez de receber dano, acaba percebendo que reforços estão chegando devido ao som do combate… Tudo, definido pelo mestre, que está ali não para tentar fazer os NPC’s te derrotarem, mas para conduzir o jogo para que ele não se afaste da sua proposta. E isso torna os jogos mais elaborados, mais dinâmicos, mais imprevisíveis e bem mais divertidos. Para todos, desde os jogadores que recebem o poder de construir proativamente a história, quanto o mestre que passa a auxiliar o grupo para que a história não se perca – o que é comum quando alguns jogadores começam a divagar demais em suas ações, o mestre está ali para fazer com que os jogadores continuem a história. O mestre atua como um baixista, ajudando a dar o tom que a música terá, evitando que a banda se perca, enquanto os jogadores é que são as estrelas com seus solos e combinações.

Essa mecânica dá tão certo, que alguns grupos até ousam jogar sem um mestre. Criando a aventura enquanto o jogo vai acontecendo e decidindo as consequências e andamento da coisa através de métodos de aleatoriedade (como rolar resultados em uma tabela) ou definindo por bom senso.

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Por fim, peço desculpas por não apresentar de forma formalizada as mecânicas acima, como fiz nos capítulos anteriores. Devido a pequenos imprevistos acabei tendo pouco tempo para finalizar este artigo e se você está lendo-o ainda na noite de quinta-feira, é que eu consegui editar as imagens rapidamente a ponto de disponibilizá-las na coluna do Nowhere. Se você está lendo este artigo na madrugada da sexta-feira, é porque eu não consegui concluir a edição a tempo – mas como eu já me expliquei com o pessoal da Toca, como o Hutt disse que estava de boa, e como, pra mim, o dia só muda quando eu acordar, tecnicamente, bem tecnicamente ainda estou no “prazo”. Pretendia falar um pouco sobre as discussões que estão ocorrendo na lista do Old Dragon sobre o Daemon, sobre algumas coisas do DK 20 e sobre a campanha em Tormenta que começarei a narrar a partir de domingo, mas já são 23h45min e pretendo conseguir postar no prazo. Agradeço a compreensão e vejo vocês na próxima quinta-feira.

Bonanças.

Atenciosamente,

Leishmaniose

Arquivado em: Especiais, Jogos, Nowhere, RPG Marcados com as tags: Aegis Project, Blood & Honor, Daemon, Dungeon World, Dungeons & Dragons, FATE, Houses of the Blooded, Monsters & Magic, Old Dragon, Red Box, RPG indie, RPG mainstream, Secular, Shotgun Diaries

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