Olá,
Confesso que semana passada quando postei sobre o anúncio da quinta edição do D&D, demoraria um pouco pra retomar o assunto aqui no Nowhere. Eu sei que há muito pra se falar sobre D&D, de qualquer edição em qualquer tempo – basta lembrar que a marca é tão forte que durante esses dois anos de playtest do Next não foram lançados livros novos e, ainda assim, ela se manteve no Top 10 na listagem dos mais vendidos de cada ano. Só que acreditei que ocorreria o que ocorre tradicionalmente: o anúncio, seguido da expectativa com aquele silêncio devastador, e aí o lançamento, trazendo de volta muitas discussões, análises e materiais pra nova edição – além de reviver a famigerada guerra de edições, movimentando toda a comunidade RPGista. Só que eu estava enganado… Esta semana tivemos notícias sobre o andamento da quinta edição – ou, como ando preferindo chamar, D&D “Five-Ô”, fazendo menção ao seriado Hawaii 5.0 do qual sou fã, tanto da versão clássica quanto da atual, e que se pronuncia “Five-rrô” em vez de “cinco ponto zero”.
Uma pequena alínea antes de prosseguir: Se você é um RPGista que frequenta ambientes, como comunidades ou listas de discussões, que não são restritos a um único assunto ou jogo em específico, você presenciará o efeito “nova edição do D&D” demonstrando a força e influência que a marca tem no nicho de RPG. E digo mais, se você só frequenta ambientes isolados, restritos a um único assunto ou jogo de RPG, talvez você não perceba a tempestade rugindo furiosamente por toda a comunidade RPGista, mas ainda há uma grande probabilidade de que “entre água pela janela” e um ou dois tópicos falando sobre o assunto surjam neste ambiente – ele poderá ser ignorado, pouco comentado, mas o assunto ainda estará lá, em um local em que outros lançamentos não chegaram nem a umedecer o ar.
A primeira grande notícia é que a versão básica do 5.0 estará disponível g.r.a.t.u.i.t.a.m.e.n.t.e. na net, contendo mecânicas básicas, apresentando as classes básicas – guerreiro, mago, clérigo, ladino –, raças básicas – humano, elfo, anão, halfling – e indo do nível 1 ao 20. Isto surpreendeu bastante principalmente porque entre o material de pré-venda do 5.0 está um Kit Introdutório, que teria, em tese, essa função de apresentar o básico aos jogadores – o Kit Introdutório teria, portanto, aspectos de regras mais avançadas, como dungeons e locais selvagens, mas não tanto quanto o Livro do Jogador que terá o set completo de mecânicas. É curioso observar que esta prática, por mais que surpreenda, já ocorreu anteriormente: a 3ª edição teve o OGL que tinha um documento contendo as regras abertas e a 4ª edição teve o vazamento. Com a política de um playtest aberto, de divulgação de notícias e informações sobre a 5.0 antes do lançamento, o uso de Forgotten Realms como cenário básico e, agora, as regras básicas do 5.0 disponibilizadas em um pdf gratuito – D&D Basic – a impressão que eu tenho é que o pessoal que está à frente do 5.0 está tentando uma aproximação maior com o seu público-alvo, evitando o efeito causado com o lançamento da 4ª edição.
O efeito causado com o lançamento da 4ª edição é que aparentemente foi um “fiasco” devido à repercussão, aparentemente negativa, que ela teve na comunidade de RPG. Eu chamo de aparentemente negativa porque a internet nunca foi determinante em relação às vendas e mesas de jogos. Sim, ela influencia, ela auxilia, ela funciona como uma ótima ferramenta de divulgação e de comunicação com a comunidade, mas pode-se citar empreitadas que não obtiveram sucesso quando realizadas, mesmo tendo “sucesso” e “apoio” na internet – desde revistas de RPG a livros, com um bom conteúdo, mas que quando publicados resultaram em prejuízo… Então, por mais que se fale mal da quarta edição, ela vendeu bastante, o suficiente pra Hasbro não ter cancelado a linha – como ela faria se tivesse tido uma venda pífia. Outro elemento que levo em conta ao dizer que foi “aparentemente”, é de quem não gostou, quem odeia, tende a gritar mais alto. Quem gostou geralmente está gastando seu tempo livre tendo que preparar sessões pra mestrar ou jogando, não tendo tanto tempo pra participar de discussões na internet (exceto se você for um timelord como o Tio Nitro). Da minoria que tem tempo livre pra usar na internet, uma menor parte ainda quer se estressar com discussões contra haters de edições. Então, no fim, você tende a encontrar mais gritos de quem não gosta de alguma edição do que gritos de quem gosta – e isso dá a impressão de ser uma maioria, mas não é. Pouca gente tem vocação pra Tank/Defender.
Ao meu ver, a 4ª edição foi um divisor de águas. Ela foi o pavio de um barril de pólvora que tinha se iniciado na terceira edição. Com o lançamento da 3ª edição, muita gente migrou do AD&D para a 3.X, pelos mais variados motivos: revitalização dos cenários; impressão errônea de que uma edição era evolução da outra; e produção de material já que não sairia mais nada para o AD&D – principalmente aqui no Brasil, que pouquíssimo material foi publicado. E muita gente continuou jogando o 3.X, mesmo sentindo que o tempero tinha mudado, mas era o que se tinha – aqui no Brasil principalmente por falta de opção, quem queria algo mais tinha que correr pro inglês e torcer pra achar um material decente. Com o lançamento da 4ª edição, aqueles que estavam engolindo o 3.X à força perceberam que não ia dar mais e abraçaram principalmente o movimento “old school”, aderindo aos retroclones que foram possíveis graças ao advento da OGL – o Old Dragon surgiu nesta época, sendo um dos mais renomados aqui no país junto com o Sword & Wizardry. Retornaram à magia perdida do AD&D. Os amantes da 3.X correram pra outros OGL’s como o Pathfinder, gritando ódio contra a 4ª edição. E, curiosamente, alguns que tinham abandonado o D&D por causa do 3.X voltaram à linha por causa do D&D 4.0, juntando-se ao pessoal que gostou da 4ª edição.
E isso foi visto como negativo. Apesar de, na minha concepção, isto ter sido positivo porque libertou todos para que pudessem procurar seus sapatos mais adequados pros modelos de seus pés, devo concordar que para a lógica empresarial, ainda mais de uma grande empresa como a Hasbro, a dispersão de seu público-alvo é algo negativo. O ideal seria, portanto, uma edição que agradasse aos fãs de todas as edições, só que isso é um tanto quanto impossível devido às particularidades de elementos que faz com que cada um prefira edição X: alguns gostam da segurança das regras protegendo contra jogadores apelões ou mestres apelões (4ª Ed), outros gostam por causa da liberdade que o mestre tem (AD&D), outros gostam de combinar elementos de mecânica (3.X), outros gostam de regras mais enxutas (4ª Ed), outros gostam de um set de mecânicas mais detalhado (3.X), outros gostam de mecânicas com foco no lore (AD&D), outros gostam de poderes ativos (4ªed), outros gostam de poderes passivos (3.X) e por aí vai… Reunir tudo isso em uma única edição será algo homérico. Então, qual foi a decisão tomada? Maior aproximação com o público, ouvir o que o público tem a dizer, fazer o público sentir que faz parte daquela construção, que é parte importante da comunidade.
Isso não quer dizer que há uma tentativa de realmente agradar a todos, apenas demonstrar uma transparência que faça com que o público entenda porque tomada de decisão X foi realizada em detrimento da tomada de decisão Y. Com esse entendimento, essa proximidade, fica mais fácil para que aceitem uma nova edição do D&D, pois os jogadores “fizeram parte dessa história”. O olhar passa do olhar de um fã para o olhar de alguém que está construindo, um designer, em conjunto com os verdadeiros designers – dessa forma os designers descobrem em que terrenos “não pisar” enquanto que os jogadores sentem que estão indo além da experiência de jogo. Coincidentemente, enquanto rolava o playtest do Next e novas mecânicas iam sendo apresentadas, pdfs das antigas edições começaram a ser disponibilizadas para venda – permitindo aos fãs de outras edições a adquirirem materiais para sua edição favorita. Felizmente há realmente um esforço por parte dos designers de tentar pisar em terrenos conhecidos dos jogadores.
E é de um desses esforços que vem a segunda notícia: O Guia do Mestre terá caixas de texto que auxiliam a adaptar o D&D 5.0 para que ele fique mais próximo ou similar ao da sua edição favorita. Ou seja, os fãs do AD&D poderão emular um AD&D usando a 5.0 apenas removendo e ajustando elementos aqui e ali, enquanto que o pessoal do 4.0 com a mesma edição poderá colocar mecânicas mais similares ao da 4ª Ed e por aí vai. Tal esforço lembra bastante o que a Onix Path vem realizando com os guias de adaptação dos materiais do Novo Mundo das Trevas com o do Clássico Mundo das Trevas, permitindo que você jogue a ambientação de um utilizando as regras do outro ou insira elementos de um no outro – sem mencionar que o lançamento de um pdf gratuito lembra bastante a decisão da Onix Path de liberar a revisão de regras do novo mundo das trevas, presente no God-Machine Chronicles, gratuitamente. A dinâmica da Onix Path de proximidade com seu público, transparência nas decisões e tentar elaborar materiais para ambos os “Mundos das Trevas” tem surtido bastante efeito, a ponto do Kickstarter de Mago 20 ter sido um dos que mais arrecadou dinheiro. Vejamos como a Wizard of the Coast se sairá utilizando essa mesma estratégia com o D&D.
Bonanças.
Atenciosamente,
Leishmaniose
Olá!
Sabe, eu não tenho muita certeza da efetividade que esta segunda notícia terá. Caixas de texto para ajudar a trazer o espírito da sua edição favorita? Não creio que essa solução será muito efetiva, uma vez que algumas regras entre as edições são bem diferentes umas das outras. Enfim, essa modularidade tão prometida é que me faz pensar se será efetiva.
Até and Bye…