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Terra dos Sonhos

5 de setembro de 2013 por Leishmaniose

Olá,

Inicio este capítulo anunciando uma triste notícia. Infelizmente, após um ano de funcionamento a pleno vapor, o ForjaRPG, um dos maiores sites de RPG da blogosfera, foi encerrado. Para quem não conhece, o Forja RPG era um blog com artigos referentes a RPG, desde sugestão de materiais, resenhas e informativos dos mais variados assuntos – desde RPG’s indies, como o Dungeon World, a RPG’s mainstream, como o D&D 4.0. Acredito que o material do Forja ajudou a muitos ao longo desse um ano, principalmente este que vos escreve. Foi através do Forja que eu tive um maior contato com o Dungeon World e com o Monsters & Magic, assim como foi por causa do Forja que pude encontrar incentivos para manter meu gosto pelo D&D 4.0. Fica aqui meu desejo de sucesso aos membros do Forja RPG, que encontrem bastante aventuras em sua nova jornada e que retornem, nem que seja de vez em quando, para compartilharem suas aventuras. E também fica aqui o meu muito obrigado por esse ano de atividade.

Eu tenho a pretensão de começar uma série de postagens abordando sobre a elaboração de um sistema, falando sobre os sistemas abertos e como adaptá-lo ao desejado por você e seu grupo, entretanto, isso merece um estudo mais aprofundado e informações que ainda continuo na busca. Entretanto, para não deixar a coluna vazia por esta semana, eu postarei então aqui algumas miscelâneas, envolvidas diretamente ou não com o RPG, e, por fim, um conto-prólogo de um cenário de RPG que eu alguns amigos estávamos escrevendo para um RPG que tinha como base uma mistura de Percy Jackson, Sandman e Scion. O título, inclusive, de “Terra dos Sonhos” vem do arco de Sandman de mesmo nome que traziam histórias paralelas e curtas, como pequenas miscelânias. 😀

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Primeiramente gostaria de falar do fenômeno Mighty Nº 9. Quem é fã de Rockman, aqui no ocidente mais conhecido como Megaman, sabe quem é Kenji Inafune. O criador da série de jogos de um dos robôs mais conhecido dos games saiu da Capcom por meados de 2010, dizem as más línguas que pelo tratamento que a empresa queria dar a série de jogos do Megaman. E agora, três anos depois, ele iniciou um projeto chamado Mighty Nº 9. Reuniu muita gente que trabalhou com ele na época da Capcom, com a série Megaman, e abriram, há cerca de cinco dias atrás um financiamento coletivo via Kickstarter. A meta do jogo era ambiciosos 900k (novecentos mil) obamas (dólares), o que muita gente achou bastante alto, visto que o Project Phoenix desenvolvido por uma equipe de “pesos-pesados” de diversos jogos mundo afora, tinha colocado como meta 100k obamas. Em dois dias, o projeto Mighty Nº 9, alcançou a casa do 1kk (um milhão) de obamas. E ainda faltam cerca de 26 dias de financiamento aberto, no qual, qualquer pessoa pode ir lá e comprar um pacote oferecido. Cada pacote dá algumas premiações, que vão desde baixar o jogo, no mais barato, a um jantar com o Inafune, o mais caro. Para incentivar novas doações, o projeto possui oito estágios (stages), que serão alcançados a cada meta financeira, que abrirão novos brindes e surpresas para os participantes. Aqueles que tiverem interesse, poderão participar do Kickstarter através do seguinte link: http://www.kickstarter.com/projects/mightyno9/mighty-no-9

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A segunda miscelânea também envolve o Kickstarter, mas dessa vez com influência direta na área de RPG. 😀 No dia 10 de julho foi aberto um kickstarter de um material de RPG francês, que eu sempre babei muito pela arte. Os livros são muito bem feitos, mas infelizmente eu não entendo nada de francês, por isso quando encontrei o material há um bom tempo atrás só tinha baixado para babar mesmo o material como uma verdadeira obra de arte. Entretanto, o Kickstarter me trouxe uma surpresa imensa: o material estaria em inglês. Então, sem pensar duas vezes, corri para o financiamento coletivo e comprei o pacote completo digital – na época minha situação estava instável em relação ao meu endereço, comigo em casa apenas pela manhã cedo e pela noite, então tive de optar por não adquirir o material impresso. E essa semana, eu recebi o link para baixar os livros 0, que é o prologo (que está disponível gratuitamente e você pode pegar aqui: http://www.kickstarter.com/projects/1176616619/shadows-of-esteren-a-medieval-horror-rpg-travels , o 1, o universo, e o 2, viagens. O restante do material deverá ser disponibilizado enquanto for ficando pronto, seja como for, acredito que em breve vocês vão me ouvir falar mais e mais desse RPG por aqui. 😀 Ele tem uma pegada de horror, algo bem low level (ou seja, nada muito aventuresco como no D&D), com uma pegada mais realista (nada de raças fantásticas para personagens) e até mesmo a magia é uma coisa mais rara e vinculada à ciência.

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Por fim, trago o tal do conto-prólogo do cenário que estávamos elaborando para RPG’s de fórum. Como eu não estou com a pesquisa pronta para falar de como se utilizar dos sistemas abertos para criar o seu e as outras ideias que tenho aqui também precisariam de um desenvolvimento mais elaborado, que não terei tempo hoje para dar, deixo aos que gostam de temática de mitologia grega, aventuras fantásticas, Percy Jackson, Scion ou apenas de contos, o conto abaixo. Desde já agradeço a compreensão e prometo que voltaremos à programação normal no próximo post – ou podemos abrir um novo tipo de programação, se curtirem este de hoje, sei lá.

Bonanças.

Atenciosamente,

Leishmaniose

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Gabrielle,

 

               Acredito que quando você ler esta carta, provavelmente, eu estarei em algum lugar em meio ao oceano Antártico. A chance de nos reencontrarmos será bastante remota, talvez nula. Porém, depois dessas últimas noites passei a ter esperança que possa te ver novamente, algum dia… Afinal, eu nunca esperaria te encontrar aqui, em Auckland. Qual a probabilidade de dois amigos que cresceram juntos em Nápoles, se reencontrarem, por acaso, após dois anos sem nenhum tipo de contato, na mesma cidade e no mesmo hotel, do outro lado do mundo? Pra mim, é impossível. E se o impossível aconteceu, Gabi… Tudo se torna possível.

 

                Quando eu parti de Nápoles, há dois anos, eu preferi não contar nada a ninguém, assim seria mais fácil. Por isso insisti que fossemos ao parque de diversões e deixei tudo por minha conta. Aquela era minha despedida, minha forma de dizer obrigado e adeus a vocês. E tudo saiu como planejado, exceto por um pequeno detalhe: Chiara percebeu. Eu nunca consegui realmente esconder nada dela, nem quando eu queria. E quando ela abraçou forte antes de entrar no carro do pai e, da janela, me desejou “boa viagem”, eu fiquei sem reação. A minha sorte é que ela foi a última a ir embora, porque foi ali que eu percebi que não conseguiria me despedir de ninguém. Sempre odiei despedidas.

 

                Eu tinha motivos sérios para partir, mas o principal deles era a segurança de vocês. Imaginei que se eu evitasse manter contato, conseguiria suportar tudo mais facilmente. Besteira! Ao te rever, vi que foi pura mentira. Durante esses dois anos, eram as lembranças da minha infância em Nápoles que me impediam de cair. Se algo me manteve vivo por todo esse tempo foi a esperança de que, se eu não conseguisse retornar a esses dias que estavam em meu coração, eu manteria a todos protegidos, intactos, pois era essa a luz que evitava que eu me afogasse na escuridão.

 

                Lembra que ao perguntar no restaurante o motivo de minha partida, eu parafraseei o Dean Winchester? “Salvar pessoas… caças coisas… os negócios da família”. Sei que você viu como uma piada, uma evasão para não falar a verdade. Bem, eu não menti. Mas acho que você percebeu isso ontem, não é? É por isso que, antes de partir mais uma vez, escrevi esta carta para explicar algumas coisas. E não, eu não menti quando falei que quebra de sigilo é um crime entre os meus. Eu posso sofrer castigos no Tártaro pelo que estou prestes a fazer… Mas prefiro encarar uma penitência naquele inferno a ter de encarar teu olhar de decepção. Na verdade, eu até estava disposto a contar no primeiro dia que nos reencontramos, mas eu sabia que você não ia acreditar. Bolas, antes de 2007, eu mesmo não acreditaria. Só que depois de ontem, acho que sua percepção do mundo mudou um pouco…

 

                 O complicado é que eu não sei por onde começar. A maioria do pessoal apela logo pro Rick Riordan e a série de livros “Percy Jackson e os Olimpianos”… Mas eu acho que falar dos livros é complicado porque tem muita ficção, muita licença poética. E há um problema, quando se fala dos livros, o guri vai todo feliz, achando que é daquele jeito infanto-juvenil que o Riordan descreveu, meio Hogwarts e Terra do Nunca, e descobre que as coisas são mais tensas, geralmente tarde demais, após uma garra atravessar seu peito. O que serve de consolo é que pelo menos há um aviso no início do primeiro livro.

 

                É importante lembrar que o Riordan também não foi o primeiro a fazer isso… A ideia de um mundo mitológico em meio ao mundo real já foi bastante usada em muitos lugares. Os personagens do RPG Scion da White Wolf são filhos de deuses que estão envolvidos em uma guerra secreta nos dias de hoje. Ouvi de um amigo meu brasileiro que há um RPG chamado Trevas que mostra como seria o mundo se todas as religiões fossem reais. Os quadrinhos da Marvel mostram os Olimpianos e Asgardianos agindo como super-heróis. As obras escritas por Neil Gaiman já falam do assunto há bastante tempo, e a mais conhecida delas, Sandman, já tem mais de vinte anos. E se a gente forçar a barra, até mesmo a série de mangás Saint Seiya fala disso. Percy Jackson surgiu em 2005, então são menos de 5 anos. Por isso que… Bem, melhor parar por aqui. Nessa discussão acabei saindo do foco e meu tempo é curto.

 

                A mitologia grega é real. Ela está presente em nosso dia-a-dia, fazendo parte deste mundo desde os tempos da criação do universo. É difícil para os mortais, as pessoas comuns, acreditarem nisso porque não há fatos ou provas científicas devido ao mythos, o que o Riordan chamou de Névoa e que alguns de nós chamamos de Véu ou Penumbra. O mythos é uma espécie de manto que cobre os sentidos dos mortais para que não percebam essa realidade entre eles. Os únicos que conseguem enxergar além dos mythos, é quem possui a hyperousia, a transcendência divina, a habilidade de ir além do ser. Os mortais possuem suas mentes presas à sua percepção do mundo, por isso quando estão de frente com algo mítico eles percebem apenas algo da sua realidade. Ao olharem para um minotauro, enxergarão apenas um homem alto e musculoso com uma expressão de poucos amigos. Os mortais acabam vendo apenas o que sua mente quer ver. E isso é um mecanismo de proteção da mente de um mortal. Sem hyperousia, entre o que os olhos captam e a mente percebe está o abismo da loucura. Muitos loucos são mortais que, por um descuido da mente, acabaram percebendo a realidade mítica. E sem poder voltar atrás, nem seguir adiante, ficaram presos entre as duas realidades, submersos na loucura. A hyperousia é como se fosse uma ponte que evita que caiamos nesse abismo.

 

                Sei que parece muito com papo nerd, mas basta dar uma olhada na matéria do jornal de hoje. Eu o deixei dentro do envelope, junto com essa carta. O jornal fez uma reportagem sobre o incêndio da luta de ontem com a salamandra, com direito a uma foto. Está na página 5, no canto inferior esquerdo. Você vai ver a fotografia, dá pra ver a cauda da salamandra e a Katrina com o arco azul lunar dela, no ar, acima do telhado. Mas leia a matéria. Fala de um meteorito que atingiu um prédio e causou o incêndio… As pessoas viram grandes luzes, explosões, mas não viram a salamandra lutando contra três adolescentes. Só veem o que a mente quer ver. E por mais que consigam fotografar, filmar e até gravar em áudio, não servirá como fato ou prova porque é a mente da pessoa que nubla tudo por causa do mythos. Na foto, os mortais só veem os bombeiros e o fogo.

 

 

                É algo difícil de acreditar, eu sei… Eu demorei muito para acreditar. Mas a dica que eu dou é acompanhar notícias de catástrofes e destruição. Se puder, olhe algumas fotos antigas, como aquela do desmoronamento do ginásio do colégio uma semana antes da minha partida… Claro que nem toda catástrofe tem dedo de criaturas míticas, mas a maioria tem. Principalmente aquelas mais “inesperadas”. Rola até um boato que não foi um iceberg que partiu o Titanic ao meio. Aos poucos você vai percebendo, abrindo os olhos para toda essa realidade. E o que mais me incomoda é que não é um “mundo escondido nas sombras”, que vive nos cantos obscuros e sombrios, como em RPG’s da White Wolf ou seriados como Supernatural. Não… Muita luz cega tanto quanto a escuridão. Lembra do mito da Caverna de Platão? A gente fez um trabalho para a aula de filosofia há uns quatro anos, eu acho. Então, no mito da caverna, a humanidade olha para sombras, acorrentada em sua própria mente e percepção… Por esse mito você tem noção de como é toda essa situação. A realidade mortal é que está à sombra. E o negócio é tão sério, que há nomes próprios para distinção: a realidade mortal nós chamamos de Melania e a realidade mítica de Hélade. E todos os que vivem a realidade Hélade, que possuem a transcendência, são chamados de helenos ou helênicos.

 

                Gabi, eu sou um helênico. Eu nasci com a hyperousia, que ficou adormecida em meu sangue até começar a se manifestar há dois anos atrás. Eu a tenho por herança genética, já que sou… Poxa, nem acredito que vou escrever isto… Quero dizer, espero que lendo pareça algo menos vergonhoso, porque eu repeti umas três vezes aqui em voz alta e parece a coisa mais patética e ridícula que já ouvi… Mas vamos lá… Sou o que o Riordan chamou de meio-sangue, um semideus. Eu não sou órfão como pensei que era… Descobri que meu pai é um deus, uma divindade existente na mitologia grega: Hypnos, o deus do sono. Aliás, descobri recentemente que ele continua dormindo em sua caverna. Até fico me perguntando se minha mãe sonhou com ele quando me conceberam… E nem adianta apelar pra sua tradicional incredulidade. Perseu, o herói clássico, foi concebido por uma chuva de ouro que molhou a mãe dele, tá? Athena gerou um filho quando apenas limpou a perna suja pelo sêmen de Hefaistos que espirrou nela quando ele tentou se deitar com ela. Então, vai por mim, sonho é até um dos métodos comuns de concepção quando falamos de deuses, principalmente os oniros, como meu pai. É por ter sangue meio-divino que eu possuo hyperousia, o que me faz perceber a Hélade. Pode parecer legal, divertido, mas não é. Quando você enxerga além do mythos, quem enxerga além do mythos também enxerga você.

 

                Uma alegoria usada por uma barda filha de Apolo descreve bem essa situação. Ela conta que é como se todas as pessoas fossem velas e o mundo estivesse mergulhado na escuridão. A hyperousia seria como a chama que acende a vela. E essa chama permite que você enxergue ao seu redor, até uns vinte metros… Mas como um barqueiro com um lampião em meio a um pântano em uma noite de lua nova, você é enxergado a enormes distâncias, de qualquer lugar em meio à escuridão. E, escondidos na escuridão, espreitando, estão os ekhtros, os monstros da mitologia. E carne de helênicos é um de seus alimentos favoritos… Principalmente de semideuses, porque alguns deles precisam do poder mítico em nosso sangue para se fortalecerem. Então, se um monstro ficar com fome e houver um helênico por perto, pode ter certeza que ele será caçado implacavelmente. Eu não escapei dessa sina: o ginásio da escola foi derrubado por um ekhtros que me caçava, mais precisamente uma lâmia, uma espécie de vampiro metade humano, metade serpente. Se alguém tivesse morrido no incidente, parte da culpa era minha, já que ela só estava ali por minha causa. Ser um semideus não coloca em risco somente a minha vida, mas a das pessoas que estão ao meu redor.

 

                O despertar da hyperousia também possui um segundo efeito, pois a pessoa passa a emanar uma energia conhecida como noesis. É através do uso da noesis que conseguimos realizar feitos sobrenaturais, como pular a longas distâncias, levantar peso acima da nossa capacidade muscular ou suportar ferimentos que já teriam incapacitado um mortal… Na metáfora da vela, a noesis seria o calor e a luz emanados pela vela. Quando um helênico está próximo a outro, ele é capaz de senti-lo e identificá-lo por causa da intensidade dessa energia liberada pelo outro. E quanto mais forte for a intensidade, geralmente mais forte será o outro helênico. Como uma fera que caça sua presa através do olfato, é através da noesis que o ekhtros rastreia sua vítima. E o pior é que se um mortal passar muito tempo perto de um helênico, ele fica impregnado por sua noesis, como o perfume de uma amiga que fica em sua roupa depois que você a abraçou. Isso torna os mortais verdadeiros alvos para os monstros, pois além de não saberem se defender, a maioria nem os percebem, já que não enxergam a Hélade.

 

                O complicado realmente nessa situação é nem todos os ekhtros são criaturas irracionais e selvagens. Muitos são inteligentes e se um helênico é amigo de um mortal, pode ter certeza que o ekhtros usará aquele mortal como isca para chegar ao helênico, ou pior, como aperitivo antes da refeição… Às vezes, as duas coisas. Por isso a maioria dos helênicos com bom senso evitam contatos prolongados com mortais. E esse foi o principal motivo pelo qual aceitei partir quando minha hyperousia despertou… Mas devo confessar que os mortais não estão seguros somente por manter distância dos helênicos. A distância diminui a possibilidade de um ekhtros atacar, mas não anula essa possibilidade… Quando não encontra helênicos vulneráveis ou frágeis, os mortais tornam-se alvos dos ekhtros famintos. Só que a quantidade de mortos para saciar um monstro é bem maior, porque os mortais não possuem noesis… Por isso algumas catástrofes alcança uma grande quantidade de mortos, mesmo quando havia condição de alguns escaparem…

 

                Há algo importante a ser relatado sobre os ekhtros: eles todos são arquetípicos. Nascem de um conceito, um arquétipo, uma ideia, um sentimento, uma característica humana. Então, enquanto houver pessoas que nutram tal sentimento, pensem em tal ideia ou mantenha aquela característica, o monstro nascido a partir dela continuará existindo. E quanto mais forte for o evento que proporcionou o nascimento de tal criatura, mais forte ela será. Todos nós tememos ekhtros que tenham surgido em épocas de guerra ou de uma grande comoção, porque o poder deles tende a ser proporcional à intensidade daquele evento. Mas não caia em uma armadilha moralista… Nada em Hélade gira em torno do bem e do mal, nem do certo e do errado. Qualquer elemento humano que não seja equilibrado gera monstros, até mesmo os tidos como positivos, como amor e alegria. Basta lembrar que o amor entre Páris e Helena gerou uma das maiores guerras da Antiguidade… Mas, é óbvio que os monstros nascidos a partir de características nocivas desequilibradas são piores: elas são mais destrutivas e mortais. Mas até coisas melosas em exagero, como os livros da Meyers, geram criaturas terríveis. Aliás, se tu visse o nível das aberrações que surgiram dali, você concordaria comigo quando falo que alguém devia dar um jeito naquela mulher para ela parar de escrever.

 

                Um ekhtros continuará existindo enquanto aquele conceito existir. Ele pode até ser destruído, mas retornará após algum tempo, às vezes, dias, às vezes, anos. Depende da força daquele conceito naquele momento… O problema nisso tudo é que o Ekhtros possui uma fome imensa e a forma mais simples de saciar essa forme é devorando helênicos e nutrindo-se da noesis. Alguns helênicos conhecem técnicas e formas de proteção contra ekhtros, indo desde o combate desarmado a rituais místicos, mas enquanto os monstros não se meterem com eles e seus territórios, basicamente não haverá problema. A outra forma mais comum é fortalecer entre as pessoas seu conceito, mas é um processo muito lento, que às vezes dura séculos para ter algum efeito, e nem todos são pacientes. Por fim, optam pela forma mais comum, que é devorar grande quantidade de mortais até conseguirem se sentir saciados. Aí ocorrem as catástrofes… E quanto mais alimentado estiver um ekhtros, mais poderoso ele estará. Só que esse seu poder tem uma limitação: caso o monstro seja destruído, seu poder ganho é perdido e ao ressurgir, ele ressurgirá com o poder que possuía em seu nascimento original.

 

                Como os helênicos possuem formas de se proteger contra ekhtros fracos, os maiores prejudicados nisso tudo são os mortais, que são os alvos mais fáceis. Qualquer monstro que tenha reunido poder suficiente para enfrentar um deus menor já teria sido percebido e erradicado, garantindo que nenhuma criatura consiga poder suficiente para derrotar uma divindade maior. O problema é que até ter poder suficiente, para chamar a atenção dos helênicos, muitos mortais já teriam sido mortos e o mundo estaria bastante destruído pelas catástrofes. Entretanto, conforme ditado por Têmis na criação do mundo, é preciso haver equilíbrio: Melania é o mundo das sombras nessa relação, mas o tamanho da sombra está relacionado com a intensidade da luz que a projeta. Se algo acontecer a Melania, se não houver equilíbrio, se algo em grande escala atingir os mortais, não é somente Hélade que estará em risco, mas toda a existência. Por convenções e tratos, os deuses olímpicos não podem intervir diretamente no mundo mortal, pelo menos não o tempo todo… É aí que entramos nós, os semideuses. Como somos frutos da união entre as duas faces do mundo, sendo em parte mortais e em parte deuses, podemos intervir diretamente tanto em Melania quanto em Hélade.

 

                A maior parte dos semideuses passa a ser recrutada para serem Campeões. Como agentes secretos e soldados a serviço dos deuses, uma das nossas principais funções é a de manter o equilíbrio no mundo. Passamos boa parte do tempo agindo como os heróis da Antiguidade: impedindo catástrofes, realizando missões pros deuses, salvando pessoas, caçando ekhtros… Tudo devido ao laço de sangue, praticamente negócios da família, não é? 😉 Mas os campeões não são heróis, não oficialmente. Para ser um herói, um campeão precisa batalhar muito, realizar conquista e ser aceito pelos deuses como um herói. E, nesse momento, ele poderá se juntar aos Argonautas, o maior grupo de heróis do mundo. A minha missão aqui em Auckland era a de localizar, identificar e destruir o ekhtros que estava atuando na área. Por isso eu estava enfrentando aquela salamandra quando você me seguiu…

 

                Para garantir o sucesso dos campeões, os deuses não economizaram esforços. Existe uma ilha flutuante que navega pelos mares desde tempos ancestrais. Dizem que foi lá que Jasão encontrou Argos, aquele que construiu o famoso barco comandado pelo herói na sua busca pelo velocino dourado. Também dizem que foi nessa ilha que Jasão deixou seu barco após voltar para casa. Mitos ou não, essa ilha recebeu o nome de Argos entre os helênicos e ela é conhecida justamente por manter-se em constante movimento, navegando pelos oceanos do mundo. Na parte mais alta da ilha, a akropole, os deuses construíram uma pequena cidade-estado à qual chamaram de Hekademos, pois seria a academia de treinamento dos campeões.

 

                Os deuses solicitaram a Quíron, o centauro imortal que treinou os grandes heróis, que ficasse responsável pela administração da academia e designaram Nemesis, a assassina dos deuses, para auxiliá-lo no treinamento dos campeões. Posteriormente a ilha tornou-se sede dos Argonautas, os maiores heróis da atualidade na Hélade, e os gêmeos Castor e Pólux, revezando um dia de vida cada, passaram a auxiliar Quíron e Nemesis nas atividades da academia. Todos os semideuses encontrados no mundo são levados para lá, onde são treinados e podem cumprir com seu papel e responsabilidade de manter o equilíbrio do mundo. Foi para lá que eu fui e é lá que eu moro e recebo treinamento como campeão filho de Hypnos. O interessante é que como os deuses atuam por todo o mundo, há na academia semideuses de praticamente todos os lugares do mundo. Felizmente, todos nós temos a habilidade de entender, falar e escrever em grego antigo, porque é o idioma natural da Hélade. Todos que possuem a hyperousia são capazes disso. E não, não somos disléxicos por causa disso! Aquilo ali foi viagem do Riordan que fumou orégano estragado. Decididamente.

 

                É importante que eu enfatize que por mais nobre, honrado e heroico que pareça ser um campeão, não se engane… Nem tudo são flores. Aliás, há poucas flores quando se é um campeão. A grande maioria está ciente que simplesmente não tem alternativa. A opção dada a um semideus, quando ele é descoberto é: servir aos deuses como seu campeão ou receber o ostracismo divino, sendo amaldiçoado por todos os deuses. Isso sem mencionar que o amaldiçoado vai ter de se virar sozinho para sobreviver aos ekhtros e outros desafios no mundo… O problema é que com o tempo se percebe que todo campeão é, no fim, um semideus desafortunado. Um semideus afortunado, quando descoberto, é reconhecido pelo seu pai, ou mãe, como membro do seu secto, tornado imortal e passa a habitar em algum domínio divino. Caso recuse, possui a bênção do deus para que sua noesis seja selada, de forma que ele não chame a atenção dos ekhtros, vivendo uma vida “normal”. Obviamente o reconhecimento de um afortunado é muito raro de acontecer. Século passado, pelo que soube, só ocorreu cinco vezes. E nenhuma foi com um campeão.

 

                Um campeão luta, mantendo a responsabilidade pelo equilíbrio do mundo, passando por um treinamento árduo e se receber a aprovação do progenitor, considere-se bem-aventurado! Falo sério. Muitos passam toda a vida sem sequer ouvir uma única palavra de seu pai ou sua mãe, nem uma única visita ou olhadela. Não somos tratados como filhos, nem como parentes, nem sequer como bastardos… Somos apenas peões nesse doentio tabuleiro de xadrez divino. E olha que eu dei sorte, pois já me encontrei com meu irmão Morpheus em um sonho. Em um sonho.

 

                É nesse solitário contexto que muitos prosseguem adiante com seu papel de campeão, procurando sobreviver da melhor forma possível. E encontrar um motivo pelo qual lutar faz parte dessa sobrevivência como soldados dos deuses. E os motivos variam de pessoa para pessoa: status; senso de responsabilidade; prazer da batalha; emoção da aventura; vingança; ambição; esperança; reconhecimento; alguém que ama; proteger o mundo… Os motivos são tão variados que alguns chegam a lutar enquanto esperam encontrar o motivo para lutar e outros lutam apenas por inércia. E nesse cotidiano de treinamento e luta, os campeões acabam tornando-se uma família. Mesmo que não seja intencionalmente, oferecem os laços, o conforto, as discussões e o abrigo que os progenitores divinos não deram, ajudando a suportar o vazio causado pelos parentes e amigos mortais que foram deixados pra trás. Por isso não é incomum que aqueles sem uma motivação, com o tempo se agarre com unhas e dentes nos relacionamentos com outros campeões, com a academia e/ou com a forma de viver de um campeão. Todos, no fim, precisam de um motivo, por mais frágil que seja, pra poder continuar.

 

                É possível ainda aceitar o ostracismo para sair dessa vida, mas quem teve a disposição para se submeter à maldição dos deuses já o fez logo no início. Todos que aqui estão e passaram mais de um ano já abandonaram essa possibilidade. A outra possibilidade de sair dessa vida de campeão seria a morte. E, infelizmente, ela é um fator bastante presente nas missões… Acho que é por isso que a tradição grega dos heróis é tão forte entre os campeões. Todo campeão almeja se tornar o melhor e morrer no auge de seu potencial, ainda em plena forma física, recebendo as glórias por seus feitos em vida e por sua morte em combate, como Aquiles. Chega a ser assustador quando você percebe como essa forma de pensar serve aos deuses, fazendo os campeões mergulharem de cabeça em suas missões… Mas eu mesmo não consigo fugir disso. Se é pra morrer, que seja enquanto um grande feito é realizado, tão memorável que nos mantenha eternos, assim como foi com Heitor de Tróia. Por fim, há uma terceira forma de sair dessa vida: o casamento.

 

                A hyperousia começa a despertar no final da infância, bem no início da puberdade. Dizem que em uma vida tranquila e pacata, o despertar prossegue em seu desenvolvimento por toda a puberdade até se completar no final da adolescência. Mas eu nunca soube de um caso que tenha ocorrido um desenvolvimento “normal”. Aliás, ele é tão raro que nem sei porque ainda dizem que ele é normal, pois ele é claramente uma exceção, juntamente com os casos de semideuses que manifestaram a transcendência na infância ou na idade adulta. E olha que eu conheço um campeão que desenvolveu hyperousia aos sete anos e já ouvi falar de um que só o fez aos trinta, mas um caso normal de vida pacata e tranquila, não. Todos os campeões que conheço tiveram o despertar acelerado devido a um momento de grande tensão, geralmente causado por um ekhtros faminto. Acho que a adrenalina deve influenciar o despertar, acelerando-a. A grande maioria dos semideuses encontrados tem por volta dos dez aos vinte anos, com noventa por cento entre os doze e os dezesseis. Por isso é comum que, em meio à vida de treinamentos e missões, surjam relacionamentos amorosos aqui e ali. Ao completar vinte anos, o campeão recebe autorização para casar. Caso o parceiro ou a parceira seja um campeão também, é preciso que também tenha vinte anos ou mais.

 

                A cerimônia concede ao campeão ou ao casal de campeões, uma bênção protetora: enquanto se mantiverem fiéis um ao outro, eles e seus filhos poderão andar como mortais. Ainda conseguirão ver através do mythos, mas serão vistos pelos helênicos e ekhtros como meros mortais. O campeão ou o casal não poderá mais viver na ilha, recebendo uma casa e um emprego em alguma cidade mortal. Eu sei que vai parecer estranho o que eu vou dizer, mas a grande maioria preferiria o ostracismo… A grande maioria chega aqui, como falei, por volta dos doze aos dezesseis anos. Até chegar aos vinte, eles entram no ritmo da academia que envolve treinamentos e missões. São anos de condicionamento para viver em intensa movimentação, passando por situações de alto stress e correndo grandes riscos de vida… Então, ao casar ele precisa se aquietar para não chamar a atenção. Se possuir escolaridade suficiente, consegue um bom emprego, talvez um concurso. Um trabalho pacato, parado, sem fortes emoções. Ele olha pro povo, comemorando que a inflação caiu e só balança a cabeça. Perto do auge de sua condição física e energia, aos vinte anos e ali… Em uma vida tediosa, sem glórias e emoções fortes. Não são todos que aguentam, não são todos que querem isso após anos de academia.

 

                A cultura heroica de morrer no calor da batalha e os treinamentos condicionando para uma vida de ação nos aprisionam. Elas são a forja e a bigorna onde os deuses nos lapidam como suas ferramentas de execução, suas armas para a batalha. Forjados a ferro e fogo nós percebemos que, por mais que sonhemos com um futuro de paz e tranquilidade, por mais que lutemos pela manutenção do equilíbrio no mundo, não há mais lugar para nenhum de nós fora da academia, que essa paz não nos pertence. Sendo bem franco contigo, Gabi, eu tenho a esperança de um dia voltar a Nápoles e rever a todos, mas eu sei que esse é a minha motivação e que ela é frágil. Mas quem pode culpar alguém que em seu desespero para não se afogar se agarra a um frágil galho incapaz de sustentar o seu peso? Todos nós precisamos de motivos para continuar lutando, torcendo para que sejam suficientes, mesmo quando estamos cientes que não são… E eu estou ciente. Sei que se um dia eu retornar a Nápoles, eu estarei feliz por rever a todos e relembrar tudo que vivemos, mas não será mais como antes. Não pode mais ser. Lá não é mais o meu lugar. É por isso que o caminho traçado por um campeão não tem volta…

 

                É como uma bola de neve rolando morro abaixo. E eu temo que não estamos a sós nela… Cada vez mais e mais têm surgido ekhtros no mundo e o número de semideuses chegando à academia tem aumentado bastante também… Praticamente dobrou em dois anos e se continuar nesse ritmo, em mais dois anos haverá um campeão para cada seis milhões de pessoas na Terra. E eu não acho que seja por coincidência. É como se os deuses estivessem bastante preocupados com os acontecimentos dos últimos anos a ponto de planejarem ter um bom número de campeões ativos. E eu até chego a entender isso, sabe? As coisas andam bem sinistras. Tem coisas estranhas acontecendo em diversos lugares no mundo, capazes de deixar muito herói de cabelo em pé… Como aquela luz em espiral na Noruega em 10 de dezembro… O mythos deveria ter ocultado aquilo dos olhos mortais, mas isso não ocorreu. E, para nossa surpresa, imagens da espiral percorreram o mundo através do youtube e blogs. E não foi um evento único… Os ekhtros que têm surgido estão cada vez mais bizarros, alguns chegam a deixar as criaturas cthonianas do Lovecraft no chinelo de tão bizarras que são. Parece que algo está para acontecer e os deuses já estivessem se preparando… Isso explicaria muita coisa. A sensação é a mesma da frase do Bob: uma tempestade se aproxima e nós estamos bem no meio dela…

 

                Meu tempo está cada vez mais curto. Meus amigos me deram duas horas para eu me despedir de você antes de partirmos de volta pra Argos. Sinto muito por tê-la envolvida nisso… E o Allan pediu para agradecer por salvar a vida dele. Ele até me entregou um pote de pomada dele, feito pelas sacerdotisas de Héstia e ajuda bastante no processo de cura. Eu passei um pouco nos seus ferimentos e o restante está dentro do envelope, tá? O médico disse que você estava bem, que tinha sido só uma pancada forte, que estaria de pé novamente em algumas semanas. Com a graça de Héstia, você estará bem antes do Natal. Possivelmente a ilha está navegando próxima ao oceano Antártico e quando você estiver consciente o suficiente para ler essa carta, é lá que eu estarei. Não se preocupe, a ilha tem um clima próprio independente de onde estejamos. Queria poder falar mais, só que o papel e o tempo estão acabando.

 

                Antes de ir, eu tenho apenas uma última coisa a te contar… Existe um grupo de mortais que, por motivos variáveis, conseguem enxergar além do mythos. Eles são chamados de metoikos. Na série do Percy Jackson, a Rachel Elizabeth Dare seria uma metoikos capaz de enxergar além do véu que cobre o mundo mitológico. Aliás, o próprio Riordan é um metoikos. Ele consegue enxergar além do mythos e quando descobriu sobre a Hélade, estudou-a um pouco e conversou com alguns campeões conseguindo relatos de aventuras deles. Mas acho que por não ter como viajar pelo mundo afora para conhecer melhor os lugares da Hélade, já que é um adulto e pai de família, ele preferiu criar um personagem fictício, sintetizou as melhores aventuras de forma coerente ao longo dos livros e colocou todos os lugares mitológicos nos Estados Unidos. E não, Hades não teve nada a ver com a Alemanha na Segunda Guerra. Teve dedo dos titãs e a purificação racial tinha bem mais a ver com resgatar a geração de ouro da mitologia do que… Mas estou divagando novamente, isso não vem ao caso.

 

                O que vem ao caso é que, devido ao ocorrido ontem, por causa da mistura do sangue e da noesis utilizada no ritual realizado pela Brandy, algo aconteceu e você agora é uma metoikos. E é por isso que está conseguindo ler esta carta, escrita em grego antigo e em uma tinta que só quem pode enxergar além do véu poderá ver. Não se preocupe, todos os helênicos a veem como uma mortal, então você está segura dos ekhtros, é só ignorá-los aos percebê-los na rua. E se afastar na direção contrária o mais rapidamente possível, claro. Aguardo esperançosamente reencontrar-te futuramente e vou falar com o pessoal de Hephaístos para ver se baixam episódios desse seriado que você está fazendo parte do elenco. Se cuide e mande lembranças a todos quando os vir.

 

Eternamente seu amigo,

Remigio

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